Durante esta semana fui algumas vezes ao Colombo. Numa dessas viagens, no autocarro 729 (que demora mais de 40 minutos, desde Algés), vim durante algum tempo a ouvir uma conversa entre dois rapazes pretos, (ouvi a conversa, porque eles falavam alto).
Um deles comentava com o amigo, os seus problemas familiares. Pelo que eu percebi o rapaz trabalhava e tinha alguns problemas com o pai ou com o padrasto, ou quem quer que seja, pois enquanto desabafava nao manifestou nenhum "termo carinhoso" em como o senhor lhe era alguma coisa, a não ser alguém que vivia no mesmo sítio que ele. Então, este senhor tinha dito ao rapaz que já estava na altura de ele meter algum dinheiro dentro de casa. O rapaz acho que não disse nada, mas quando recebeu gastou o dinheiro na carta de condução e no dentista, e ajudou a mãe naquilo que era preciso. Segundo o rapaz, o homem tinha muito mania e pensa que manda lá em casa.
Falaram também entre eles, muito relaxadamente, sobre armas/pistolas. Sempre que havia uma briga ou uma discussão, partiam logo para a violência "eu dou-te um tiro", (isto foram coisas que eles contavam que se tinham passado, com amigos deles), agora imaginem dois rapazes a falar disto como se fosse algo super banal.
(Uma vez enviaram-me um vídeo sobre um rapaz a ser atacado à porta de uma discoteca, penso eu, por um grupo de rapazes. Os seguranças não fizeram nada e assistiram practicamente a tudo, e o rapaz foi fortemente atacado. Não foi cá, penso que foi no Brasil. Quando comentei com a pessoa que me enviou o vídeo, disse que o vídeo era impressionante, como é que era possível os seguranças não terem feito nada. O que me responderam foi que "aquilo é o pão nosso de cada dia". Achei a resposta um bocado insensível, pois acho que se poderia ter feito alguma coisa e a pensar assim então aí não se faz mesmo nada.) Isto porque, por vezes para nós é sempre mais fácil pensarmos que lá fora se passa sempre um pouco de tudo, e aqui não. Eu pelo menos falo por mim, só naquelas cidades típicas de filmes americanos é que imagino essas coisas. As coisas podem acontecer a qualquer um.
Esta conversa fez-me lembrar um filme que vi, "The Freedom Writers", que é um filme verídico sobre uma turma de alunos especiais, sobre os gangues e as diversas relações entre os diferentes grupos sociais da escola, e não só, da zona onde viviam.
Há uma cena no filme em que a Professora, que é branca, ao falar de um gangue fala de um holocausto, e um dos alunos pergunta o que isso é, e a Professora pede para levantar a mão quem já tivesse sido alvo de tiros? Todos levantaram a mão, menos um rapaz branco que estava na sala. Quando os rapazes falavam das pistolas eu fiquei com esta imagem exactamente na minha cabeça, mas em vez de serem os do filme, eram os que iam no autocarro.
Em regra geral, pensa-se que os indivíduos de raça negra não têm educação, que são uns vagabundos, que só arranjam problemas, e têm a mania que são os maiores.
No entanto, o que leva o indivíduo a não ter educação? Ou então, o que diz que um indivíduo não tem educação? É o facto de cada um lutar pelos seus interesses, cada um à sua maneira?
Penso que em algumas situações, não é falta de educação, mas sim falta de condições de vida. O que acontece é que há pessoas que têm de aprender a lidar com certos acontecimentos desde muito cedo, o que as leva a um crescimento individual mais rápido do que era suposto. Aprendem a desenrascar-se, a defenderem-se e a não terem medo de nada.
É isso que vemos neste filme. Os pretos não têm medo de nada e odeiam os brancos. O que se vê é que os interesses de cada um tornam-se um objectivo, muitos deles transformados em vingança, que origina uma guerra e depois nunca mais acaba. No filme, a Professora consegue transmitir aos alunos que a vingança, o ódio e os gangues que eles formam não lhes levam a lado nenhum, contando inclusivé a história de um gang que ficou bastante conhecido. O que faziam eram caricaturas de pessoas que odiavam e que publicavam nos jornais, pouco tempo depois essas pessoas eram mortas por este gang.
Ao longo dos anos lectivos, os alunos foram perdendo estes rancores e começaram a ficar mais interessados na escrita, na literatura, nas aulas e principalmente em transmitir aos outros o que fizeram, o que eram e o que sentiam. Daí o nome do filme "The Freedom Writers", ou então, "Páginas da Liberdade".
Fico por aqui.