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"Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim, em cada lago a lua toda

Brilha porque alta vive"

Fernando pessoa


domingo, 13 de dezembro de 2009

"The Freedom Writers"

Durante esta semana fui algumas vezes ao Colombo. Numa dessas viagens, no autocarro 729 (que demora mais de 40 minutos, desde Algés), vim durante algum tempo a ouvir uma conversa entre dois rapazes pretos, (ouvi a conversa, porque eles falavam alto).
Um deles comentava com o amigo, os seus problemas familiares. Pelo que eu percebi o rapaz trabalhava e tinha alguns problemas com o pai ou com o padrasto, ou quem quer que seja, pois enquanto desabafava nao manifestou nenhum "termo carinhoso" em como o senhor lhe era alguma coisa, a não ser alguém que vivia no mesmo sítio que ele. Então, este senhor tinha dito ao rapaz que já estava na altura de ele meter algum dinheiro dentro de casa. O rapaz acho que não disse nada, mas quando recebeu gastou o dinheiro na carta de condução e no dentista, e ajudou a mãe naquilo que era preciso. Segundo o rapaz, o homem tinha muito mania e pensa que manda lá em casa.
Falaram também entre eles, muito relaxadamente, sobre armas/pistolas. Sempre que havia uma briga ou uma discussão, partiam logo para a violência "eu dou-te um tiro", (isto foram coisas que eles contavam que se tinham passado, com amigos deles), agora imaginem dois rapazes a falar disto como se fosse algo super banal.
(Uma vez enviaram-me um vídeo sobre um rapaz a ser atacado à porta de uma discoteca, penso eu, por um grupo de rapazes. Os seguranças não fizeram nada e assistiram practicamente a tudo, e o rapaz foi fortemente atacado. Não foi cá, penso que foi no Brasil. Quando comentei com a pessoa que me enviou o vídeo, disse que o vídeo era impressionante, como é que era possível os seguranças não terem feito nada. O que me responderam foi que "aquilo é o pão nosso de cada dia". Achei a resposta um bocado insensível, pois acho que se poderia ter feito alguma coisa e a pensar assim então aí não se faz mesmo nada.) Isto porque, por vezes para nós é sempre mais fácil pensarmos que lá fora se passa sempre um pouco de tudo, e aqui não. Eu pelo menos falo por mim, só naquelas cidades típicas de filmes americanos é que imagino essas coisas. As coisas podem acontecer a qualquer um.
Esta conversa fez-me lembrar um filme que vi, "The Freedom Writers", que é um filme verídico sobre uma turma de alunos especiais, sobre os gangues e as diversas relações entre os diferentes grupos sociais da escola, e não só, da zona onde viviam.
Há uma cena no filme em que a Professora, que é branca, ao falar de um gangue fala de um holocausto, e um dos alunos pergunta o que isso é, e a Professora pede para levantar a mão quem já tivesse sido alvo de tiros? Todos levantaram a mão, menos um rapaz branco que estava na sala. Quando os rapazes falavam das pistolas eu fiquei com esta imagem exactamente na minha cabeça, mas em vez de serem os do filme, eram os que iam no autocarro.
Em regra geral, pensa-se que os indivíduos de raça negra não têm educação, que são uns vagabundos, que só arranjam problemas, e têm a mania que são os maiores.
No entanto, o que leva o indivíduo a não ter educação? Ou então, o que diz que um indivíduo não tem educação? É o facto de cada um lutar pelos seus interesses, cada um à sua maneira?
Penso que em algumas situações, não é falta de educação, mas sim falta de condições de vida. O que acontece é que há pessoas que têm de aprender a lidar com certos acontecimentos desde muito cedo, o que as leva a um crescimento individual mais rápido do que era suposto. Aprendem a desenrascar-se, a defenderem-se e a não terem medo de nada.
É isso que vemos neste filme. Os pretos não têm medo de nada e odeiam os brancos. O que se vê é que os interesses de cada um tornam-se um objectivo, muitos deles transformados em vingança, que origina uma guerra e depois nunca mais acaba. No filme, a Professora consegue transmitir aos alunos que a vingança, o ódio e os gangues que eles formam não lhes levam a lado nenhum, contando inclusivé a história de um gang que ficou bastante conhecido. O que faziam eram caricaturas de pessoas que odiavam e que publicavam nos jornais, pouco tempo depois essas pessoas eram mortas por este gang.
Ao longo dos anos lectivos, os alunos foram perdendo estes rancores e começaram a ficar mais interessados na escrita, na literatura, nas aulas e principalmente em transmitir aos outros o que fizeram, o que eram e o que sentiam. Daí o nome do filme "The Freedom Writers", ou então, "Páginas da Liberdade".
Fico por aqui.

5 comentários:

Ana Novais disse...

Tal como já comentei contigo, também eu vi esse filme e fiquei surpreendida com as histórias da vida real que contava.
A verdade é que a maioria daquelas pessoas das quais temos tantos preconceitos e que julgamos por serem dos bairros e por terem menos condições de vida, estão apenas a tentar sobreviver tornando-se algo agressivas.
Julgo que isto não é um problema deles mas da sociedade, que não dispõe as ajudas necessárias e que continua muitas vezes a ensinar-nos a fecharmo-nos em grupos étnicos (porque, supostamente, é mais seguro).
O problema está, como falaste, nas oportunidades de vida que uns têm e outros não as têm.

Anónimo disse...

A "sobrevivência" não passa necessariamente por se tornarmem agressivos.
Este é simplesmente um meio de defesa que eles utilizam.
Se fizermos uma análise qualitativa e quantitativa dos seus actos, observamos que a violência não é o ultimo recurso mas sim a extorsão. (A extorsão é obrigar alguém a fazer o que nós queremos por intermédio de ameaças, de modo a "serem recompensados".)
Concordo com o que foi escrito no comment em cima, que talvez não exista as "ajudas necessárias", mas tambem temos de ver por um prisma diferente, estes grupos etnicos, são como casulos, é muito dificil de intervir neles, pois eles têm regras próprias, costumes e consequentemente vicissitudes prórias da sua vida, que os obrigam na "sua" sociedade a banalizarem o uso de armas.
Esta é uma situação emergente na nossa sociedade que deveria ser tomada mais em conta. Mas acho que parte principalmente da atitude de cada um, pois, há três opções na vida: ser bom, melhorar ou desistir.
Muitos deles desistem por eles próprios e metem-se em drogas e afins.
Infelizmente, a questão é muito maior que a resposta

André

Anónimo disse...

Já não colocam aqui nada há algum tempo...
Podiam escrevr qualquer coisinha, afinal, como está escrito em cima, e passo a citar:
" Há tantas coisas para falar e comentar, pouco tempo para pensar e uma privação enorme de paciência para as transmitir. Mas aqui faremos um esforço."
Força nisso ; )

Joana Almeida disse...

Teresinha, tens razão! Não fui eu que escrevi este último comentário em anónimo.
Mas tenho de concordar, já não escrevem aqui nada há muito tempo.

Beijinhos às três

Anónimo disse...

Eu vou concordar com o comentário da Joana e com o do anónimo.
Força, tópicos de "conversas interiores" não vos devem faltar xD

André